A ciência do comportamento suicida e os efeitos de “13 Reasons Why”

By Tiago Zortea.

Em 2014, logo após a trágica morte de Robin Williams, diversas reportagens inadequadas  explodiram ao redor do planeta sobre o caso. Devido a isto, escrevi o texto “Suicídio, Mídia e Epidemia”, explicado brevemente sobre o efeito Werther. No fim de março deste ano, a Netflix lançou a série “13 Reasons Why” ou os 13 porquês do suicídio de uma adolescente. A série é controversa e tem dividido opiniões no público em geral. No campo da ciência do comportamento suicida, no entanto, as opiniões tendem a ser unânimes entre pesquisadores e especialistas sobre os possíveis efeitos negativos da série (e.g., [1], [2], [3], [4]). Preocupados com tais efeitos, instituições como Papyrus [5] no Reino Unido, Headspace [6] na Australia, e a própria Associação Internacional para Prevenção ao Suicídio (ligada à Organização Mundial da Saúde) [7] publicaram notas oficiais sobre a série. O efeito Werther é um fenômeno real e, como demonstrado através das referências na nota oficial da Associação Internacional para Prevenção ao Suicídio, o assunto deve ser tratado com responsabilidade e cuidado.

Na segunda-feira, 31 de Julho de 2017, The Journal of the American Medical Association – um dos periódicos científicos com maior fator de impacto – publicou o primeiro estudo empírico sobre os efeitos de 13 Reasons Why. A pesquisa foi conduzida pelos pesquisadores John W. Ayers, Benjamin M. Althouse, e Eric C. Leas (University of Washington Seattle, John Hopkins University, e San Diego State University, EUA). Os pesquisadores utilizaram o método quasi-experimental, examinando como as buscas na internet sobre suicídio mudaram em volume e conteúdo após o lançamento da série da Netflix. (Os autores utilizaram técnicas avançadas de análise e redução de bias/viés, especificando buscas detalhadas, controlando fatores de interferência. As técnicas de análise de big data de buscas no Google e uso de estimativas do Comscore podem ser conferidas diretamente no artigo original).

Os resultados do estudo mostraram que as buscas sobre suicídio na internet foram cumulativamente 19% mais altas durante os 19 dias após o lançamento da série, refletindo 900.000 a 1.5 milhão de buscas a mais do que o esperado (veja figura abaixo).

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17 das 20 buscas mais frequentes também atingiram pontos mais altos do que o esperado, sendo as expressões mais buscadas com foco em ideações suicidas. Por exemplo, “como cometer suicídio” (26%), “cometer suicídio” (18%), e “como se matar” (9%) apresentaram-se todas significativamente mais altas. Buscas por serviços de ajuda também se elevaram, incluindo “telefone de centros de apoio sobre suicídio” (21%) e “centros de apoio sobre suicídio” (12%). Por último, expressões que indicaram conscientização pública tais como “prevenção ao suicídio” (23%) ou “suicídio de adolescentes” (34%) também se elevaram. (Veja o gráfico abaixo).

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Discutindo os resultados da breve investigação, os autores comentam o seguinte:

13 Reasons Why aumentou a conscientização sobre suicídio, mas é preocupante perceber que as buscas também indicaram aumento da incidência de ideação suicida.

Ainda não está claro se qualquer das buscas online precedeu tentativas de suicídio. No entanto, as tendências de buscas online sobre suicídio estão correlacionadas com suicídios reais, a cobertura de casos de suicídio na mídia coincidem com o aumento de tentativas de suicídio, e as buscas de métodos específicos de suicídio aumentaram depois do lançamento da série 13 Reasons Why.

Os efeitos deletérios de séries como 13 Reasons Why poderiam ser reduzidos se os autores e produtores seguissem as diretrizes de mídia da Organização Mundial da Saúde para previnir o suicídio, tais como a remoção de cenas que mostram o ato suicida, e a inclusão de números de instituições de suporte em cada episódio. Essas estratégias poderiam ser adaptadas aos episódios divulgados, incluídos na segunda temporada planejada, ou aplicados a outros programas. Além disso, os programas poderiam ser submetidos a testes para avaliar quaisquer efeitos na saúde pública antes de serem lançadas, a fim de minimizar danos sociais.

Um acompanhamento mais próximo deste caso irá clarificar as descobertas deste estudo, incluindo estimativas de mudanças em tentativas de suicídio ou chamadas para centros nacionais de suporte para pessoas que se sentem suicidas. Entretanto, nossas análises sugerem 13 Reasons Why, em sua forma atual, aumentou a conscientização sobre suicídio e, ao mesmo tempo, aumentou involuntariamente a incidência de ideações suicidas.

É no mínimo curioso perceber que os autores e produtores da série (com ótimas intenções de ampliar a conscientização sobre suicídio), sabendo dos possíveis efeitos sobre a saúde mental da população telespectadora do programa, escolheram deliberadamente violar as diretrizes de mídia recomendadas pela Organização Mundial da Saúde. No comentário oficial do Suicidal Behaviour Research Laboratory (University of Glasgow) sobre a série, o Professor Rory O’Connor diz:

Não posso concordar com a argumentação dos produtores sobre as razões em mostrar o suicídio de Hannah de modo explícito. De modo geral, a caracterização do suicídio da personagem principal como algo inevitável, de que o suicídio é a única opção, se constitui como algo inútil e incorreto. Muitos telespectadores também podem receber a mensagem de que o suicídio é causado por motivos vingativos, de que a busca por ajuda é uma atitude inútil e sem resultado, e de que as consequências de um suicídio podem ser de alguma forma glamurosas. Tais representações fortalecem mitos e estigma sobre o suicídio.

É razoavelmente fácil – inclusive para profissionais de saúde mental – levantar a bandeira da série de modo incondicional e recomendar a todos para que a assistem. No entanto, uma análise mais cuidadosa e aprofundada dos efeitos da série e do fenômeno psicológico efeito Werther com base em dados empíricos mostrará as controversas do programa, bem como a irresponsabilidade dos produtores em lidar com um tema que envolve vida ou morte.

 

 

*Se você não está se sentindo bem e necessita conversar com alguém, entre em contato agora com o CVV-Centro de Valorização da Vida pelo telefone 141 (ligação gratuita de qualquer parte do país).

 

Referências

[1] O’Connor, R. (2017). Comment on the Netflix series 13 Reasons Why. Blog post, Suicidal Behaviour Research Laboratory, University of Glasgow, Scotland. Available at: http://www.suicideresearch.info/news-1/commentonthenetflixseries13reasonswhy

[2] Kavalidou, K. (2017). On 13 Reasons Why: Acknowledging those working in suicide prevention. Blog post, Institute of Health and Wellbeing Early Career Researchers, University of Glasgow, Scotland. Available at: http://ihawkes.academicblogs.co.uk/2017/05/30/on-13-reasons-why-acknowledging-those-working-in-suicide-prevention/

[3] Skehan, J. (2017). Six Reasons Why I’m concerned about a TV series. Blog post, Hunter Institute of Mental Health, University of Newcastle, Australia. Available at: https://www.linkedin.com/pulse/6-reasons-why-im-concerned-tv-series-jaelea-skehan

[4] O’Connor, R. 13 Reasons Why: Does it glamorise suicide and will it incite copycat behaviour? Interview, Harpers Bazaar. Available at: http://www.harpersbazaar.co.uk/culture/culture-news/longform/a41353/13-reasons-why-comment/

[5] PAPYRUS (2017). Statement in response to impact on young people of Netflix 13 Reasons Why teen drama. Oficial Statement. Available at: https://www.papyrus-uk.org/news/item/statement-in-response-to-impact-on-young-people-of-netflix-13-reasons-why-teen-drama

[6] HeadSpace (2017). How to talk to young people about 13 Reasons Why. School support guideline. Available at: https://headspace.org.au/assets/School-Support/Talking-to-Young-People-about-13-Reasons-Why.pdf

[7] International Association for Suicide Prevention (2017). Briefing in connection with the Netflix series “13 Reasons Why”. Official Statement. Available at: https://www.iasp.info/pdf/2017_iasp_statement_13_reasons_why.pdf

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