Junio Rezende: “A Análise do Comportamento precisa se assumir, ou se tornar, uma ciência social”.

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Photo by Carol Cesario.

Mineiro, analista do comportamento, professor universitário e psicólogo clinico, Junio Rezende gentilmente concedeu uma entrevista ao projeto Comportamento & Sociedade. Dono de opiniões fortes e (para alguns) controversas, Junio fala de sua trajetória na profissão e toca nos assuntos que lhe despertam paixão, engajamento e compromisso. Em uma conversa agradável, Junio não esconde sua visão politica e declara abertamente suas percepções sobre os acontecimentos político-econômicos no cenário nacional e internacional, ciência, e sobre o onde ele acredita ser o lugar da Analise do Comportamento em todos esses processos. Cinema e literatura também entram na lista de tópicos deste bate-papo em que o entrevistado traz indicações e recomendações muito interessantes. Com a palavra, Junio Rezende!

Incialmente quero te agradecer por se dispor e conceder esta entrevista, Junio! Vamos iniciar pelo seu background. Pode nos falar um pouco sobre sua trajetória pessoal e profissional?

Eu agradeço pelo interesse e aproveito para pontuar que, inicialmente, fiquei reticente em aceitar o convite por achar que eu não teria muito o que oferecer. Temos tantos analistas interessantes e com longa trajetória no Brasil, o que eu teria de especial? Mas acho que há algo de diferente nos interesses da geração da qual faço parte e eu gostaria de explicitar isso, esse sentimento comum. Há uma geração de analistas que está completando sua formação básica agora e que pode trazer cores diferentes para a área nos próximos anos. Eu creio e espero. Nesse espírito, eu agradeço muito pelo convite.

Nasci e me formei em Belo Horizonte, MG. Entrei na Psicologia pelo desejo de estudar a área e com uma esperança ingênua de que teria um trabalho e pagaria minhas contas contanto que eu fosse bom no que escolhesse fazer. Interessante que essa noção de nosso senso comum – a meritocracia – foi uma das primeiras a cair na minha formação em psicologia, muito graças à análise do comportamento (AC).

Minha formação em psicologia foi e tem sido altamente prazerosa. Me considero plenamente realizado com minha escolha profissional. É uma área que está fortemente relacionada à minha vida pessoal, às minhas aspirações como sujeito. Essa convergência é algo que prezo e tento fomentar sempre. Tanto é assim que tenho tentado uma guinada na área acadêmica da minha carreira com o intuito de aprofundar essa convergência, estudando algo que fale mais à minha visão de mundo. Mas, em suma, eu entrei para a psicologia para entender por que somos quem somos e por que fazemos o que fazemos e julgo que, hoje, olho pro mundo tendo muita segurança sobre essas questões, de modo que posso me colocar novas questões, mais amplas. No meu caso, essas novas questões são relativas à política e à sociedade, além do lugar dos indivíduos nesse trem desgovernado. Hoje atuo como psicólogo clínico e como professor, ambas tarefas que me satisfazem enormemente.

Por que ser um analista do comportamento, Junio? Qual a sua história com a Análise do Comportamento?

Eu tenho uma memória clara do segundo semestre de 2005. A professora Maria Regina lá na frente, caminhando e falando lentamente, apresentando o conceito de monismo e seu papel na psicologia tal como visto pelo behaviorismo radical. Eu já cultivava um ceticismo com explicações de mundo que não fossem de alguma forma materialistas e, a partir daquele momento, senti ter encontrado a linguagem de que precisava, a visão de mundo que me fazia sentido. Daí em diante, minhas leituras escolhidas foram quase todas em análise do comportamento, sempre com aquela satisfação de ouvir o que nos faz sentido. Em 2007, fui ao meu primeiro evento de AC – você estava lá, embora a gente não se conhecesse. Não pude trabalhar somente com a AC durante a graduação, como eu gostaria à época, por uma série de questões, mas me mantive sempre em contato com as ideias. Acabou sendo um desvio muito benéfico, olhando em perspectiva. Fiz os estágios clínicos na abordagem e, já graduado, cursei uma especialização e um mestrado estudando AC. Eu posso dizer que a AC é minha ferramenta permanente de navegação no mundo, com a qual tenho uma familiaridade satisfatória. Tenho muita tranquilidade no caminho que tenho trilhado e gosto por ele.

Através das suas publicações é possível perceber um interesse dominante por dois temas que são aprendizagem/desenvolvimento e questões sociais/análise da cultura. Como se deu o desenvolvimento do interesse por esses temas?

O tema da aprendizagem tem dois momentos. Na faculdade, me iniciei na pesquisa na área educacional. Todas as questões relativas à educação continuam me sendo muito caras, mas estabeleci um caminho para a minha carreira, decidindo não trilhar a pós-graduação na Educação. Já a faceta do desenvolvimento veio pela oportunidade que tive de cursar o mestrado com uma analista do comportamento na minha cidade, algo que foi importante e conveniente naquele momento, por motivos muito concretos. A pesquisa se deu na área do desenvolvimento mas também no campo da linguagem, algo que me interessa muito. O desenvolvimento é algo fascinante, mas que não tomo, hoje, como um tema para minha carreira. Posso dizer que a música seria outro desses temas fascinantes, mas que não cabem, já que tenho uma vida só! Pude participar de outras pesquisas no laboratório em que cursei o mestrado e considero essa etapa da minha formação como um grande privilégio, especialmente pelo rigor da pesquisa experimental, que eu considero inestimável para o raciocínio científico, para a formação de um pesquisador. Enfim, o desenvolvimento é uma etapa que eu decidi que ficaria na minha história, para onde posso voltar eventualmente, nunca se sabe. Ela é uma segunda fase da minha carreira, um segundo ciclo que eu considero encerrando-se neste momento. O primeiro ciclo foi estudando Educação, com ênfase em metodologias quantitativas, por cerca de 4 anos desde minha primeira iniciação científica até pouco depois de concluir a graduação.

O segundo tema que você identificou consiste no meu terceiro ciclo, que está em seu início agora e do qual não tenho planos de sair. Logo após a graduação, senti a necessidade de construir um caminho pessoal, o que coincidiu com um interesse crescente por política. Com o estudo, uma série de coisas que eu já enxergava com olhos de analista do comportamento passaram a fazer ainda mais sentido. Percebi então que, para mim, esse tema – a política – seria o mais importante a me dedicar como analista. Por exemplo, quando eu pensei, ainda na graduação, em pesquisar a educação a partir de propostas robustas como o nosso sistema personalizado de ensino (PSI), percebi que o motivo pelo qual tal sistema não havia “ainda” sido incorporado pelo establishment educacional não era qualquer defeito no sistema em si, mas questões de cunho institucional: não era do interesse de certo grupo acadêmico, ou tal grupo não tinha conhecimento adequado sobre o sistema. Não se tratava, portanto, de uma questão técnica, tampouco um problema de “divulgação” científica (essa falsa panacéia). Era uma questão institucional, sociopolítica, sobre a qual, portanto, eu entendi que não se atua como cientista, mas de outra forma, a partir de outro lugar. Fui aplicando o mesmo tipo de raciocínio a uma série de outras questões cotidianas e institucionais, como saúde, sexualidade, vida urbana, alimentação, até me dar conta de que tais questões estão frequentemente relacionadas entre si, ligadas por fatores em comum. Não demorou e o raciocínio me levou a pensar o sistema político-econômico que chamamos capitalismo e seu poder como instalador e mantenedor de contingências em escala e força impressionantes. Essa constatação me levou a buscar estudo mais sistemático na literatura sociológica, à qual eu havia dado pouca atenção na minha formação. De forma muito natural, me dispus a tentar leituras analítico-comportamentais dessa literatura, algo que tem se mostrado muitíssimo profícuo e vem aos poucos se transformando em pesquisas. Esse é o pano de fundo do que planejo continuar fazendo daqui pra frente.

Em meados de 2016, a Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva publicou o volume 18 sob editoração de Carlos Eduardo Lopes e Carolina Laurenti, abordando a relação entre Análise do Comportamento e política. Este tem sido considerado por muitos um volume histórico por reunir nomes fortíssimos (dentre eles James Holland, Celso Pereira de Sá e Bernard Guerin, por exemplo). Este volume leva um contribuição sua e de Diego Mansano Fernandes – o artigo “Da denúncia ao compromisso: servirão os princípios revolucionários para os comportamentalistas?”. Como se sente em ter um paper publicado neste volume? Como surgiu a ideia de escrever o manuscrito, e qual você considera ser a mensagem-chave nele contida?

É realmente gratificante ter um texto numa edição como aquela, certamente uma edição histórica. Nós não sabíamos do teor das demais participações até muito depois de submetermos o texto, então foi uma surpresa muito agradável. Para além desse orgulho, fica a imensa satisfação de termos um conjunto de textos como aquele sendo publicado por analistas do comportamento. É um marco na comunidade e cria contexto para um tipo de produção cuja carência em nossa área é clara e muito problemática.

Diego e eu nos dispusemos a escrever o artigo pelo nosso interesse pelo tema e pela centralidade dele em nossas carreiras naquele momento. A reverência pelo trabalho de Holland foi muito importante como motivador, também. Seria nada menos que honroso poder homenageá-lo e debatê-lo. Os temas da revolução e da transformação social vinham fazendo parte das nossas conversas, então foi um mote que surgiu muito facilmente. Ainda assim, haviam restrições e não decidimos imediatamente por nos engajar na produção do artigo.

Nós quisemos – com a licença do Diego para falar pelos dois – basicamente duas coisas com ele: uma, apresentar o tema da revolução, ou da transformação social ampla e sistêmica, por ser um valor que cultivamos; a outra, queríamos dar visibilidade ao caráter revolucionário da postura de Holland, pois ele nos mostrava que esse tipo de transformação é um tema possível a partir da AC, digno do nosso trabalho teórico, bem como do nosso engajamento pessoal, algo que era muito forte no próprio Holland daqueles textos que analisamos.

2016 foi talvez um ano bastante atípico na política nacional e internacional. A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o Brexit e ressurgimento da xenofobia declarada na Inglaterra e em Wales (com exceção da Escócia e da Irlanda do Norte), a morte de Fidel Castro, a política assassina de combate às drogas por Rodrigo Duterte nas Filipinas. No Brasil, o impeachment de Dilma Russeff, os escândalos políticos da operação lava-jato, PECs e reformas controversas. Qual a sua visão sobre 2016? Você acha que a Análise do Comportamento possui algo a contribuir para a análise desses fenômenos políticos? Por que? Se sim, que contribuições seriam essas?

Apesar de atípico – nosso golpe, a ascensão do fascismo nos EUA – o ano de 2016 é apenas mais um ponto no tempo. Estamos presenciando eventos que são parte de um processo determinado pela histórica desigualdade de riqueza, que resulta em uma disparidade de poder político que é assassina. Essa não é a história de 2016, mas da civilização. Ou seja, vai continuar e vai se aprofundar. A humanidade nunca atingiu um patamar de justiça social aceitável, apesar dos progressos. Algumas conquistas nem mesmo são universais, a maior parte delas custou sangue e nenhuma está garantida. Alteram-se os mecanismos de opressão ao longo da história e, sempre que necessário, um ataque é lançado e retrocessos são produzidos. E tudo isso é acompanhado pelo aprimoramento desses mecanismos de opressão, de modo que uma forma de luto do passado já não é mais viável no presente. Está aí o Wikileaks para não deixar dúvidas sobre a opressão na era digital. A insurreição fica mais custosa ou é simplesmente tornada impossível. Além de todo retrocesso que estamos vivendo no momento, nos aproximamos a cada dia de um ponto sem volta na exploração do potencial do nosso planeta para abarcar nossa civilização e outras formas de vida. Então, além de tentar garantir nossas aposentadorias, fica nas mãos dos explorados a tarefa de tentar evitar o colapso planetário. É difícil manter algum otimismo nesse cenário.

A análise do comportamento pode fazer muito pouco, porque a escala e a diversidade dos problemas são enormes. Qualquer ciência pode fazer muito pouco. Mas, ao mesmo tempo, ela pode ser decisiva. Eu acho que política é algo muito simples. Complicada é a ação política. Mas ação é comportamento, então há aí um potencial para a AC, que é um potencial para as ciências sociais de modo geral. Qual é a simplicidade da política? Temos os explorados e os exploradores. Ninguém tornou obsoleta essa interpretação. O mundo é dividido em classes antagônicas. O que aprofunda o problema é o tamanho da disparidade, a assimetria do poder. São necessárias condições contextuais que evoquem comportamentos insurrecionais e, ao mesmo tempo, condições para que o pós-insurreição seja organizado pelos explorados e não, novamente, pelos exploradores. Que condições evocadoras são essas? Em outros momentos históricos pode ter sido o prato vazio, a jornada de trabalho extenuante. Hoje, com a opinião pública fabricada pela mídia de massa, prato vazio é naturalizado e vendido como necessário para conter “a crise”. Então, mais do que nunca, é necessário atuar no nível verbal, simbólico, porque há a produção de uma insensibilidade à contingência, à experiência vivida. Se todos vivêssemos atentos às necessidades dos nossos corpos e elas fossem a coisa mais importante, a organização da vida teria que ser dramaticamente diferente, lutaríamos por isso. Por esse motivo, há tanto trabalho ideológico incessante para produzir conformação. Há um potencial aí para a AC, mas é um trabalho em equipe, que é enorme e no qual ela poderia participar. Mas não é um trabalho meramente acadêmico. Todo nosso trabalho acadêmico deveria culminar em equipar as pessoas para ler melhor a realidade, para descrever as contingências, e o resto dependeria de suas necessidades e condições materiais, das habilidades que possuem, dos valores que têm, coisas que são culturais e contextuais e estão fora do alcance da mera esfera racional, da capacidade das pessoas de descrever as contingências. Esse aparato racional com o qual podemos contribuir muito tem importância, mas a transformação social não depende apenas dele. Ela está muito além dele, pode inclusive prescindir dele, mas ele pode ajudar, pode ser decisivo se for constituído de tal forma que possa contribuir. Mas essa forma não é automática, não se dá naturalmente na medida em que “fazemos ciência”. É uma construção que precisa ser consciente, que precisa ser pensada para ter efetivamente um lugar na transformação social. Ou seja, é preciso uma estratégia, e ela não virá da AC, mas daqueles que se interessam pela transformação em primeiro lugar, que carecem dela. Se formos usar a AC, temos que usá-la enquanto pessoas detentoras de valores transformadores e não apenas oferecer a AC a essas pessoas. Há uma diferença sutil mas fundamental aí. A transformação não se deriva automaticamente da ciência. Isso é um erro fatal.

Mas, bom, o que nós podemos fazer agora, a partir da AC, é, eu creio, nos tornarmos pessoas melhores. Apenas estando sob controle de determinados valores (ou reforçadores) é que vamos ter a possibilidade de produzir um conhecimento útil à transformação social. Feito isso, acredito que devemos conhecer as ciências sociais, conhecer as descrições de contingências que pessoas muito preocupadas e muito capazes têm feito ao longo da história. É de uma arrogância sem fim achar que vamos construir a partir da AC, do zero, uma nova ciência da cultura transformadora. Eu não quero participar desse tipo de delírio. Mas, note, é isso que em grande parte se tem feito. O que temos feito a partir das ciências sociais? Aonde foram parar os behaviorists for social responsability, que em parte estavam fazendo isso? Aonde estão os Hollands que já ocuparam cadeiras na nossa ciência? Voltaram para o laboratório ou desistiram, mudaram de rumo, mudaram de área, tudo por ausência de reforço e por custo. É preciso se ocupar de uma realidade e usar a ciência como ferramenta para compreendê-la e transformá-la. Enquanto a ciência for um fim em si mesma, for disciplinar e meramente acadêmica, com uma “função social” que está só no discurso e no projeto da Fapesp, ela é morta, socialmente inútil e, mais, ela é um entrave. Então, é preciso ser uma pessoa da sociedade, um coletivista, antes de sermos cientistas. Não existe justiça social no individualismo, tampouco ao embalo de certas filosofias políticas.

Agora, do ponto de vista da tarefa de pesquisador, eu almejo, por exemplo, que as ciências humanas descubram a AC como descobriram a psicanálise. Que nossa ciência seja mais uma ferramenta de compreensão do indivíduo para quem se propõe a pensar a sociedade. Há uma infinidade de tarefas à frente quando um objetivo como esse é abraçado. Gostaria que nossos colegas se ocupassem disso. Nossos conceitos, até hoje, são muito incipientes nesse sentido. Alguns são pouquíssimos sofisticados, como o de agência de controle. Já nossa interpretação dos valores como reforçadores, por exemplo, considero como profundamente profícua para discutir ética, política e ação social. Nossa compreensão do comportamental verbal como operante também me parece, por si só, ajudar pouco, mas o conceito de quadros relacionais, que nasceu do campo do comportamento verbal, me parece um complemento que cria um potencial enorme de interpretação, porque diz respeito a uma forma de controle verbal que é mais indireta, do tipo que gera menos contracontrole, nos permitindo compreender melhor a produção de ideologias, por exemplo. As metacontingências e macrocontingências são conceitos interessantes, embora a nossa tradição experimental possa estar minando o potencial interpretativo desses conceitos, que têm sido tratados de forma muito limitado em trabalhos conceituais. Enfim, certos conceitos trazem possibilidades interessantes e “limpas” de mentalismos para pensarmos o comportamento de grupos. Para mim, de forma geral as respostas não estão em Skinner, mas as bases que ele montou vão nos levar – e estão nos levando – a algumas delas. Mas é um trabalho por fazer e há relativamente pouca gente fazendo, especialmente se considerarmos a importância da tarefa. Em uma frase, penso que a AC precisa se assumir, ou se tornar, uma ciência social.

Se pudesse enumerar, quais as suas principais influências acadêmicas (gerais e analítico-comportamentais)?

Tenho um respeito e uma gratidão por autores que se dedicam à comunicação, à síntese, para além da pesquisa. Eu acredito que há mais na ciência do que apenas o descobrimento, o desvelamento dos mecanismos e do funcionamento do mundo. Eu acredito que o conhecimento não existe, que o que é descrito não tem vida, se não é de fato comunicado. Nesse sentido, um autor a quem devo muito é o novaiorquino Douglas Rushkoff, que descobri logo ao final da graduação. Ele se denomina um “media theorist”, uma espécie de analista de conjuntura da era digital, na ativa desde o início dos anos ’90, tendo produzido vários livros, documentários e inúmeros textos na imprensa. Em um livro delicioso, “Life Inc.”, ele me permitiu perceber a confluência da vida urbana contemporânea com a vida subjetiva, o consumo e o capital, numa narrativa cheia de política e História. Foi um momento em que muitas peças se juntaram e se deu início um processo de reflexão pessoal dos mais importantes na minha vida.

Tenho dificuldades em apontar nomes. Eu tenho navegado por diferentes autores e perspectivas, cada um com suas contribuições, possibilidades de sínteses, de análises, buscando fomentar minhas ações. Ainda assim, há os que marcaram de alguma forma, como o Rushkoff. Skinner me deu as bases a partir das quais analisar o mundo dos indivíduos, e isso é absolutamente fundamental. É difícil me imaginar sendo a pessoa que sou se não tivesse tido a oportunidade de estudar a psicologia que herdamos de Skinner. Carl Sagan, o astrônomo e divulgador da ciência, grande comunicador, teve uma influência poderosa sobre a forma como vejo o conhecimento, a crença e seus vieses, bem como qual o lugar do conhecimento na vida pessoal e na sociedade. Eu elenco também o escritor Saint-Exupery, autor de O Pequeno Príncipe e quase desconhecido como autor de ótimos livros sobre seu ofício de aviador. Saint-Exupery me é tocante em sua capacidade de apresentar o vivido, a experiência de um ofício, com sensibilidade e poesia. Levo dele a máxima “é preciso aprender a ver; escrever é consequência”. Ela me diz do caráter compromissado da escrita, da comunicação como fruto de uma sensibilidade especial, mais do que como mera descrição de eventos. Escrever, no contexto dessa frase, é escrever bem, é tocar o outro com o que se diz. Escrever bem seria uma consequência, então, de ver bem. É algo que, pra mim, deve ser cultivado pelo cientista, pelo filósofo. Ver a fundo, ver o todo e suas interdependências – o que no social é ver com empatia. Creio que só assim é possível comunicar para mobilizar os afetos, para engajar as pessoas em ações no mundo. Esse é um valor que abraço.

Qual livro está lendo (ou leu recentemente)? Que ideias e pontos interessantes você identifica nesta leitura?

Estou lendo sempre mais de um ao mesmo tempo, é uma confusão. O último que finalizei foi “Aos Nossos Amigos”, um livro escrito na França por um coletivo anônimo autointitulado Comitê Invisível. Trata-se de uma análise política das crises e insurreições contemporâneas, seus significados e potencialidades. Há ali uma análise política radical, um manifesto político pela insurgência e pela racionalidade, com uma análise social muito rica. Foge à questão partidária que atravessa boa parte do nosso debate político no Brasil e vai mais fundo ao discorrer sobre valores, organização social e luta política. Encara a insuficiência de praticamente tudo o que temos feito. Por exemplo, bate forte na ideologia da horizontalidade dos movimentos sociais e levanta a questão sobre quem ascende ao poder quando o povo derruba quem lá estiver. Geralmente, não é o próprio povo.

Sobre cinema e literatura, que filmes, séries e livros te tocaram mais? Por que?

Tenho tido pouco tempo para filmes e literatura no último ano e meio. Leio não-ficção o tempo todo, mas há um bom tempo não tenho tranquilidade para apreciar literatura. Há muitos anos li Musashi, do japonês Eiji Yoshikawa, um romance sobre a vida desse samurai. Me lembro de ter sido uma bela experiência. Séries eu prefiro não ver, por alguns motivos. Assisto quando algum amigo faz boa propaganda. Acabei assistindo “House of Cards” e achei divertida no início. Gosto do Kevin Spacey. Estava ilustrativa da lógica da política institucional, mas o nosso golpe veio e deixou aquilo ali muito sem graça. Fiquei curioso sobre a “Psi”, série brasileira escrita pelo psicanalista Contardo Calligaris. Estou assistindo e gostando, muito pelo personagem do psicanalista. Gosto de certos personagens. Quando assisti “House”, há alguns anos, foi o que me fisgou também.

Sobre filmes, gosto de dramas e ficção científica. “Matrix” tem lugar cativo na minha lista dos melhores. É existencial e sombrio, além de grandioso, quase pretensioso, mas que entrega muito bem o que se propõe. Considero um ponto muito alto do cinema mainstream. Outro que adoro é “Antes do Amanhecer”, do norte-americano Richard Linklater. Ele traz uma metáfora para o amor, retratando-o da forma como acredito que ele seja saudável: encontro fortuito, cuidado, intimidade e um rompimento muito natural por ser previsto. O casal vive um amor que não alimenta fantasias. As duas continuações (Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite) coroam a trilogia de uma forma muito intensa e vívida, sempre com uma dinâmica deliciosa entre os atores. O terceiro, em especial, eu diria que é hiper-realista, um retrato fiel de muitas relações nas suas imperfeições. Nesse terceiro eu me decepciono, porque a metáfora do primeiro já não existe mais, foi enterrada como uma ilusão. A realidade ali é muito crua. Faz pensar no que foi que deu errado, em que momento e por que o bom caminho se perdeu. A resposta, pra mim, está no primeiro filme. Um terceiro filme que me marcou recentemente foi “Em um Mundo Melhor”. Ele ilustra um dilema ético acerca da violência e da justiça, sem pretensões de resolver a questão filosoficamente. É impactante e bonito ao mesmo tempo. Por fim, um quarto, “A Vida dos Outros”. Um drama político e ético que me marcou e recomendo para esses tempos de NSA.

No tempo livre, Junio, o que gosta de fazer?

Meu último ano foi um inferno nesse aspecto. Quase não tive desse tempo. Mas neste momento estou de férias da docência, então estou podendo colocar meu estudo em dia. Também estou podendo ouvir mais música e organizar meu computador. Na última semana de dezembro pude me desconectar e ir pro mato com a família. Li muito, assisti a filmes, conversei, passei mais tempo com a companheira, brinquei com as sobrinhas bebês, fitei o verde, a chuva, a noite, joguei um videogame antigo. Me fez muito bem. Não gosto de viver uma vida atravessada pela dicotomia tempo livre versus tempo de trabalho. A docência na rede privada implica muito nessa alienação. No consultório eu me realizo mais, nesse sentido. No trabalho intelectual-acadêmico, também. Sou privilegiado nesse ponto. O caminho que escolhi tem a ver com criar um mundo em que eu não perca essas condições e que elas não sejam privilégio. Deveria ser o ativismo de todos nós.

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