Religião: Fator de proteção ou risco ao suicídio?

By Tiago Zortea.

A literatura em suicidologia aponta dados muito claros de que a religião se constitui um fator de proteção contra o suicídio. O gráfico abaixo (Bertolote & Fleischmann, 2015) mostra claramente a diferença de morte por suicídio entre as religiões comparada ao ateísmo. No entanto, qualquer conclusão precipitada ao ler este gráfico incorre em grande risco de equívoco e desinformação. A maior parte dos estudos indica que o aspecto religioso em si não é o fator de proteção, mas o pertencimento a uma comunidade e a redução do isolamento social (O’Connor & Sheehy, 2000). No entanto, existem variações de taxa por suicídio dentro da própria religião. Há dados, por exemplo, indicando que protestantes morrem por suicídio mais do que católicos (O’Connor & Sheehy, 2000).

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Não é incomum ouvir pessoas utilizando os dados do gráfico acima como argumento de que afiliar-se ou converter-se a uma determinada religião protegeria tais novos membros contra o risco de suicídio. Esta interpretação pode ser controversa uma vez que o envolvimento com uma comunidade religiosa pode sim ser fator protetor para algumas pessoas, mas pode também, ao contrário, ser um fator de risco.

Em maio de 2015 foi publicado um estudo, resultado de uma colaboração de pesquisadores italianos e espanhóis, intitulado “Ideação suicida entre jovens adultos italianos e espanhóis: O papel da orientação sexual” (Suicidal Ideation among Italian and Spanish Young Adults: The Role of Sexual Orientation). Dentre os diversos resultados da pesquisa, um deles foi a religião como fator de risco para o desenvolvimento de ideações suicidas entre jovens homossexuais e bissexuais. Os autores afirmam:

O modelo de interação indicou que a religião se mostrou um fator de proteção contra o suicídio apenas para pessoas de orientação heterosexual. Este resultado confirma os achados de estudos anteriores (Lingiardi, Falanga, & D’Augelli, 2012) que mostram que pessoas de orientação homossexual e bissexual sem afiliação religiosa reportaram níveis menores de estigma internalizado [preconceito e discriminação que uma pessoa tem contra si mesmo]. A homosexualidade é frequentemente considerada um pecado entre setores conservadores de diversas religiões e uma questão controversa em instituições católicas [e evangélicas]. Possivelmente por esta razão, a religião não se constituiu um fator de proteção significativo para participantes da pesquisa com orientação homossexual e bissexual.

Em julho de 2017, pesquisadores da cidade da Philadelphia, nos Estados Unidos, investigaram a influência da religião sobre o comportamento suicida entre adolescentes heterossexuais e homossexuais (Shearer et al, 2017). O artigo intitulado “Religião, orientação sexual, e tentativas de suicídio entre uma amostra de adolescentes suicidas” (Religion, Sexual Orientation, and Suicide Attempts Among a Sample of Suicidal Adolescents) foi publicado no journal Suicide and Life-Threatening Behaviour.

Os resultados são surpreendentes. Dentre os achados, o principal resultado mostrou que para adolescentes que tem atração pelo sexo oposto, ser mais religioso e ter pais mais religiosos são fatores associados a um número menor de tentativas de suicídio. No entanto, para jovens que tem atração pelo mesmo sexo, ser mais religioso e ter pais mais religiosos está associado a um número maior de tentativas de suicídio (veja o gráfico abaixo).

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Na discussão desses resultados, os pesquisadores afirmam o seguinte:

A religião visa criar uma razão existencial para viver, e tipicamente condena o suicídio. Para jovens LGBTQ, no entanto, ensinamentos religiosos podem contribuir para o estigma e o preconceito aumentando, por conseguinte, o risco para o comportamento suicida. Os resultados de nosso estudo dão suporte a essas conclusões. Nesta pesquisa, adolescentes e seus pais responderam aos questionários  sobre seus níveis de religiosidade separadamente, o que aumenta a validade desses resultados.

Há diversas formas de se compreender a associação entre religiosidade e comportamentos suicidas. Primeiro, algumas instituições religiosas fundamentalistas demonstram abominação clara e aberta às identidades LGBTQ e relacionamentos de pessoas de mesmo sexo. Tais mensagens homofóbicas podem permear a instituição, dando permissão à discriminação. Consequentemente, adolescentes que vivem em lares mais religiosos podem experienciar rejeição diária e conflito sobre sua identidade sexual ou relacionamentos românticos, rejeição esta vinda até mesmo de seus pais ou outros membros da família.

Além disso, jovens religiosos que tem atração por pessoas do mesmo sexo podem vir a internalizar tais mensagens discriminatórias, resultando em sentimentos de ódio a si mesmo, vergonha e culpa (isto é, “homofobia internalizada”). Há achados de pesquisa que sugerem que adolescentes que sentem que devem escolher ou sua religião ou sua identidade sexual reportam níveis mais altos de homofobia internalizada do que adolescentes que não experienciam tais conflitos religião–sexualidade (Ream & Savin-Williams, 2005).

Como qualquer outro, esses estudos possuem suas limitações. No entanto, eles trazem dados importantes para se reavaliar argumentos de que a religião assume sempre uma função de proteção contra ideações e tentativas de suicídio. Ao mesmo tempo que protege alguns, ela pode também colocar outros em risco.

 

*Se você não está se sentindo bem e necessita conversar com alguém, entre em contato agora com o CVV-Centro de Valorização da Vida pelo telefone 141 (ligação gratuita de qualquer parte do país).

 

Referências

Bertolote, J. M., & Fleischmann, A. (2002). A global perspective in the epidemiology of suicide. Suicidologi, 7(2).

Baiocco, R., Ioverno, S., Lonigro, A., Baumgartner, E., & Laghi, F. (2015). Suicidal ideation among Italian and Spanish young adults: The role of sexual orientation. Archives of suicide research, 19(1), 75-88.

Lingiardi, V., Baiocco, R., & Nardelli, N. (2012). Measure of internalized sexual stigma for lesbians and gay men: A new scale. Journal of Homosexuality, 59, 1191–1210.

O’Connor, R., & Sheehy, N. (2000). Understanding suicidal behaviour. Leicester: British Psychological Society.

Ream, G. L., & Savin-Williams, R. C. (2005). Reconciling Christianity and positive non-heterosexual identity in adolescence, with implications for psychological well-being. Journal of Gay and Lesbian Issues in Education, 2(3), 19–36.

Shearer, A., Russon, J., Herres, J., Wong, A., Jacobs, C., Diamond, G. M., & Diamond, G. S. (2017). Religion, Sexual Orientation, and Suicide Attempts Among a Sample of Suicidal Adolescents. Suicide and Life-Threatening Behavior.

 

One thought on “Religião: Fator de proteção ou risco ao suicídio?

  1. Artigo muito interessante, principalmente se colocando estes dados, vemos que não somente pode ser algo positivo, mas que também pode colocar o ser humano em risco, principalmente quando se junta religião e orientação sexual. Porém, acredito ser um tema que deva ser abordado com mais frequência e discutidos entre as pessoas, por se tratar de uma problemática bastante polêmica.

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