Estive hoje (18 de Novembro de 2014) na conferência anual de políticas públicas para a prevenção do suicídio “Choose Life”, na Escócia, promovido pelo NHS Scotland (National Health Service), International Academy of Suicide Research (IASR) e pelo Suicidal Behaviour Research Laboratory (SBRL – University of Glasgow), em Grassmarket Project, Edinburgh, capital escocesa. Choose Life é a estratégia nacional e plano de ação para a prevenção do suicídio na Escócia criada em 2002, um dos programas mais bem elaborados e organizados do mundo. Desde a sua criação, o programa atingiu até 2013 uma atenuação de 19% nos índices de suicídio no país, uma das maiores reduções alcançadas no Reino Unido. A Escócia é considerada hoje uma das maiores referências em implementação de políticas públicas para a prevenção do suicídio.

O gráfico mostra a redução nas taxas de suicídio em função do tempo, através das médias dos índices a cada três anos. (Extraído de Suicide Prevention Strategy 2013-2016).
A conferência foi composta por quatro principais preleções, além de grupos de discussão e trabalho. A primeira exposição foi apresentada pelo Prof. Rory O’Connor (IASR/SBRL – University of Glasgow) intitulada “Compreendendo o comportamento suicida: Por que as pessoas tentam suicídio?” na qual foram apresentadas as propostas mais atuais de compreensão do comportamento suicida, incluindo fatores explicativos e fatores de risco. O Prof. O’Connor destacou que diagnósticos de transtornos mentais (tais como depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar, por exemplo), apesar de se caraterizarem como fatores de risco, não explicam o comportamento suicida. Aproximadamente 95% dos casos de tentativa de suicídio possuem diagnósticos de transtornos mentais, mas isso não se aplica aos outros 5%. Neste sentido, é importante a busca pela compreensão dos aspectos que motivam o engajamento no comportamento suicida independentemente de diagnósticos – e suicídio é, acima de tudo, um processo comportamental e precisa ser compreendido e estudado como tal.
A segunda apresentação foi realizada pelo professor emérito da Universidade de Edinburgh, Stephen Platt, intitulada “Desigualdades em suicídio: Quadro epidemiológico e implicações políticas”. O Prof. Platt ressaltou que há um abismo nos índices de suicídio entre pessoas das partes mais pobres e aquelas mais ricas da sociedade, tendo as áreas mais carentes, de longe, os índices mais altos (achados que foram corroborados com os dados publicados pela OMS no relatório sobre suicídio este ano). Considerando a incidência maior de casos de suicídio em homens, Platt afirmou que o senso vergonha e derrota por estar desempregado (e, consequentemente, não prover sustento à família), a relutância para falar sobre suas emoções, e uma grande tendência para voltar-se ao álcool e outras drogas também são fatores de alto risco para a incidência de suicídio entre homens de meia-idade. Ainda há muita dificuldade para os homens em falar sobre seus sentimentos e de exporem-se na busca por ajuda. Vale lembrar que as mulheres são as que mais buscam por apoio psicológico, mas o suicídio é um fenômeno tipicamente masculino.
Em seguida, a Professora Gwendolyn Portzky da Universidade de Ghent (Bruxelas), falou sobre o uso de novas tecnologias na prevenção do suicídio, com a palestra intitulada “Novas Tecnologias e Prevenção ao Suicídio: Oportunidades, Desafios e Questões Éticas”. De acordo com a Professora Portzky, o avanço das tecnologias tem aberto novas possibilidades de acesso àqueles que procuram por ajuda, e tais recursos podem ser classificados em três categorias: Passiva, Ativa e Interativa. O primeiro diz respeito a materiais informativos à disposição de alguém que necessite (e.g., websites com informações, conselhos, recomendações, etc.); o segundo recurso é classificado como ativo por haver envolvimento de pessoas (e.g., testemunhos de experiências – por escrito ou por vídeos -, fotos, avatares, testes de autoadministração online, e jogos [foi citado o jogo SPARX utilizado para prevenção de depressão com adolescentes, o qual também tem sido utilizado para jovens com ideações suicidas mas ainda em fase de teste para este fim]). E os recursos interativos, que envolvem a interação dos que buscam ajuda com aqueles que a fornecem (e.g., fórum, e-mail, chat, psicoterapia e aconselhamento online, etc.). Entretanto, o grande problema levantado pela professora Portzky é a falta de dados e pesquisas que evidenciem a efetividade desses recursos, além de questões éticas envolvendo confidencialidade e privacidade. Seu grupo de pesquisa elaborou um guia de procedimentos éticos para o uso de tecnologias na prevenção do suicídio, que pode ser obtido aqui.
E a última e rápida apresentação foi da Dra. Joanna Teuton, representante do NHS Scotland, que apresentou o tema “Conhecimento e ação: Traduzindo a pesquisa sobre suicídio em política e prática”. De acordo com a Dra. Teuton, apesar de a Escócia possuir um excelente plano de ação com intervenções eficazes, ainda há algumas áreas que carecem de implementação, como a promoção de encontros mais frequentes entre pesquisadores das universidades e os políticos (que elaboram as políticas de saúde pública). Além disso, nem sempre aqueles que constroem projetos políticos são capazes de compreender as publicações dos pesquisadores, uma vez que estas se encontram escritas com excesso de termos técnicos, ampliando a distância entre pesquisa e implementação. Faz-se, portanto, necessário um trabalho de tradução do conhecimento produzido pelas universidades em termos mais acessíveis não só para os elaboradores de políticas de saúde, mas também para o público geral.