Assim disse Schopenhauer em 1830:
“A maioria das pessoas pensa como Aristóteles: “o que parece muito certo, dizemos que está certo”. Sim, não existe ideia, por mais absurda que seja, que as pessoas não tomem como suas com tanta facilidade e tão logo se convençam de que tal coisa é adotada de maneira geral. O exemplo lhes influencia o pensamento e as ações. São ovelhas que seguem o pastor aonde ele for: para elas é mais fácil morrer do que pensar. É muito curioso que a universalidade de um pensamento tenha tanto peso sobre as pessoas, é como se sua própria experiência lhes dissesse que sua própria aceitação é um processo sem questionamento e por imitação. Mas essa visão crítica não lhes diz nada, pois elas não têm praticamente nenhum autoconhecimento. Apenas os mais sofisticados estão com Platão quando ele diz “Muitas pessoas têm muitas ideias”, isto é, os leigos têm muitas besteiras na cabeça, e se quiséssemos dar atenção a elas, teríamos muito que fazer.
A universalidade de uma ideia, para falar a verdade, não prova nada, nem mesmo é motivo de probabilidade de sua validade. Aqueles que defendem isso devem assumir que 1) A distância no tempo priva qualquer universalidade de sua força demonstrativa; se fosse o contrário, todos os velhos erros que uma vez foram tomados universalmente como verdadeiros seriam lembrados. Por exemplo, o sistema ptolomaico precisaria ser restabelecido, ou o catolicismo em todos os países protestantes. 2) Que a distância espacial tem o mesmo efeito, senão a universalidade respectiva de uma opinião entre os seguidores do budismo, do cristianismo e do islamismo os poriam em apuros.
O que se chama de pensamento universal, visto à luz, é o pensamento de duas ou três pessoas; e seríamos convencidos disso se pudéssemos ver como realmente surgem esses pensamentos. Descobriríamos então que existem duas ou três pessoas que a princípio os aceitaram, promoveram ou defenderam; e que foram tão boas a ponto de se confiar que os testaram muito bem. Então, convencidas de antemão de que estas tinham capacidade, algumas outras pessoas também aceitaram a opinião. Estas, por sua vez, receberam a confiança de muitos outros, cujas preguiça lhes sugeriu que era melhor acreditar de uma vez do que ter o trabalho de testar a questão por si mesmas. Assim, dia após dia, cresce o número de tais preguiçosos e seguidores crédulos; então logo a opinião tem um bom número de defensores, e os seguidores atribuem isso ao fato de que tal opinião só poderia ser obtida pela convicção de seus argumentos. Os que ainda tivessem dúvidas eram compelidos a validar o que era admitido universalmente, para não passarem por cabeças-duras que resistem às opiniões validadas pela maioria, ou por pessoas rudes que querem ser mais espertas que o resto do mundo. Agora, aderir, torna-se uma obrigação. A partir deste ponto, os poucos que são capazes de julgar se calam. E quem se aventura a falar é completamente incapaz de ter ideia ou julgamentos próprios, simplesmente ecoam a opinião alheia; e mesmo assim as defendem com grande zelo e ignorância. Pois o que elas odeiam nas pessoas que pensam que pensam de outra maneira não são as ideias que elas professam, mas a pressuposição de que querem julgar as coisas por si mesmas, o que elas mesmas nunca fazem e disso são conscientes. Em resumo, poucos conseguem pensar, mas todos querem ter opiniões – o que resta a não ser pegá-las prontas dos outros em vez de formar as suas próprias? Como é isso o que acontece, qual o valor da voz de centenas de milhões de pessoas? Tanto quanto um fato histórico presente em centenas de relatos que comprovadamente plagiaram uns aos outros, a opinião pode ser rastreada até uma única fonte. Segundo Bayle: “Eu digo isso, você diz isso, e finalmente todos também dizem isso. Diz-se isso com tanta frequência que não se vê nada além do que foi dito”. (pp. 94-97).
Schopenhauer, A. (2014). A arte de ter razão. (C. Werner, Trans.) (1st ed.). São Paulo: Faro Editorial.