“O capítulo 13 de Ciência e Comportamento Humano, “Função versus Aspecto”, pode oferecer um escape das implicações racistas da mensuração mental. A seleção das “pessoas certas” passa a perder sua importância na medida em que começamos a nos atentar mais ao controle. O problema é encontrar melhores alunos – ou prover um modo de ensinar melhor? Encontrar trabalhadores mais enérgicos, dedicados – ou estruturar melhores condições de trabalho? Se pudermos parar de olhar para a pessoa e nos atentarmos às suas histórias antecedentes, genéticas e individuais, então poderemos começar a intervir mais efetivamente.”
Comentário do tradutor
Aqui Skinner demonstra, em uma simples anotação, sua preocupação com a “psicologização da vida” e seus desdobramentos éticos. Ainda hoje, não só nos Estados Unidos, para que as crianças sejam aceitas em determinadas escolas privadas elas devem fazer testes de admissão e, assim, a escola seleciona “os melhores alunos”. É exatamente aí que começam as implicações éticas deste tipo de visão. Ora, se uma criança não é selecionada para entrar na escola, Skinner pergunta: onde está o problema? Na criança? Se alguém possui dificuldades de aprender, o que produz esta dificuldade? Inicia-se deste modo a produção de “doenças mentais”, “transtornos psicológicos”, “distúrbios de aprendizagem”, e diversas outras rotulações fabricadas socialmente.
Skinner nos diz então que essa seleção dos “melhores” começa a perder sua importância quando nos atentamos ao controle, isto é, às condições que estabelecem “melhores” ou “piores”, “inteligentes” e “asnos”, “aptos” e “inaptos”. O que há no mundo é a diversidade, a multiplicidade, o que significa não somos iguais na apreensão e no entendimento dos fenômenos da vida. Desta maneira, as contingências, o contexto em que nos encontramos, é que devem ser modificadas para que possamos emitir comportamentos que produzam consequências favoráveis a nós. Em outras palavras, se uma criança possui “dificuldades de aprendizagem”, esta surge exatamente do contexto de ensino ou da interferência de outras contingências aversivas às quais a criança está imersa. Um ambiente de trabalho onde as pessoas são tratadas qual animais, ou onde se exige demasiadamente do funcionário e seu salário é muito baixo, só poderá produzir trabalhadores desmotivados, cansados, decepcionados com o que fazem.
Por fim, Skinner encerra sua nota apontando a necessidade de uma compreensão integral e histórica do comportamento humano (biopsicossocial – filogênese, ontogênese e cultura). Quando diz que deveríamos parar de olhar para a pessoa, isto significa bastar análises que culpabilizam seres humanos, estancar compreensões que “psicologizam” os fenômenos humanos, e sim voltar nossos olhos efetivamente para aquilo que construímos e que nos constrói: as contingências.
Nota. “Traits”. Epstein, R. (Ed.) (1980). Notebooks, B. F. Skinner. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, Inc. p.108. Tradução livre, não oficial, exclusiva para fins didáticos realizada por Tiago Carlos Zortea, publicada em https://comportamentoesociedade.com/.
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Amei o texto, estou lendo o livro Ciência e comportamento humano, as concepções de Skinner sobre o homem são fantásticas!