Nossa “vida psicológica” é construída ao longo de nossa trajetória, e ela se constitui no cotidiano, na decorrer corriqueiro da rotina, a qual é recheada de interações com as pessoas, com as coisas, com o mundo. Aquilo que aprendemos ouvindo de nossos pais ou responsáveis também possui um peso grande na influência de nossos comportamentos.
Esta frase-tema possui também variações, dentre as quais: “O que seus amigos vão pensar de você?”, “O que eles vão dizer quando te virem fazendo isto?”, “Você já pensou o que pode acontecer quando as pessoas souberem disso?”. São frases que muitos de nós ouvimos em nossa infância/adolescência e que muitas crianças ainda ouvem de seus pais ou responsáveis. A frase deflagra algumas características dos pais, dentre elas, uma questão envolvendo sentimentos de autoestima e de preocupação excessiva em corresponder ao grupo social ao qual estão inseridos. Há, entretanto, possíveis consequências para as crianças e adolescentes que crescem ouvindo frases como esta.
“Mensagens”
Quando dizemos isto aos nossos filhos, transmitimos mensagens a eles, as quais poderiam ser descritas como: “o que as outras pessoas pensam sobre você é mais importante do que suas opiniões, vontades e intenções”; “seus comportamentos e formas de se relacionar devem sempre estar alinhadas com a opinião alheia”; “seus sentimentos não devem ser referência para você! Sua referência sempre deve ser os sentimentos das outras pessoas!”. Por incrível que possa parecer, e por mais que não sejam utilizadas essas palavras propriamente, as crianças começam a pautar seus comportamentos de acordo com este critério: aquilo que é melhor e adequado para os outros.
Possibilidades e efeitos
Supomos que Cebolinha, chateado por ter tirado uma nota baixa na prova de matemática comece a dizer ao chegar em casa:“Eu odeio estudar! Não quelo estudar nunca mais na minha vida! Plefilo ser um vagabundo do que estudar! Dloga!”. E imediatamente sua mãe diz: “Cebolinha, que história é essa? O que as pessoas vão pensar de você ao ouvirem dizer isto? Eu e seu pai somos tão aplicados nos estudos, te ensinamos a importância de estudar e você vem dizer uma coisa dessas? O que vão os outros vão pensar?
A frase dita por cebolinha aponta algumas questões importantes. O guri ainda não possui um repertório de comportamento discriminativo acerca da contingência à qual ele está imerso. Por causa de um resultado frustrante numa prova de matemática, Cebolinha generaliza seu “fracasso” para todas as disciplinas e, portanto, tudo o que envolve o comportamento de estudar. Ora, ele não nasceu assim, e esta visão não veio “do nada”. Se diz isto é porque este modo “generalizado” de pensar e falar foi selecionado por produzir consequências reforçadoras, provavelmente negativas – por livrá-lo de situações aversivas sinalizadas pelo contexto.
Outro ponto é o fato de conceber aqueles que não estudam como vagabundos, provavelmente uma ideia direta ou indiretamente transmitida pelos pais. E veja, nesta contingência, o repertório de comportamentos envolvidos no “ser vagabundo” (aqui representado como “não estudar” e, logo, um repertório de fuga/esquiva) parece produzir consequências menos aversivas do que o próprio comportamento de estudar. Vale ressaltar que o “ser vagabundo” aqui pode trazer consequências reforçadoras positivas a curto prazo (produz efeitos favoráveis imediatos): brincar, correr, descansar, etc, o que faz com que Cebolinha não fique sob controle das consequências atrasadas [1] de “ser vagabundo” – aquelas que os pais temem (no futuro não ser aprovado no vestibular, não se inserir no mercado de trabalho, etc.).
Deste modo, os pais, preocupados com o futuro de Cebolinha dizem-lhe que não deve pensar assim. No entanto, a preocupação maior parece ser com o que as pessoas vão pensar de seu modo de educar. O fato de Cebolinha dizer não querer estudar pode colocar em xeque perante à sociedade a capacidade dos pais de ensinar e educar o filho. Ora, o que as pessoas vão pensar? Vão pensar que os pais são irresponsáveis com os estudos do filho, que desvalorizam a importância da educação, o que fica patente através da fala do menino.
A grande questão é que usar a opinião alheia como critério para a emissão de comportamentos pode trazer problemas tanto presentes como futuros para a criança. Uma das possibilidades é o desenvolvimento de uma forma específica de a criança se relacionar com as pessoas, podendo assim se transformar em um sujeito que sempre se anula na relação com o outro. Ambientes sociais podem se tornar contextos geradores de ansiedade e medo, fazendo com que Cebolinha passe a ser uma pessoa tímida e calada, sempre preocupada com o que os outros vão pensar dele.
Além disso, este tipo de interação cujos comportamentos estão sempre voltados para atender as demandas das outras pessoas pode direcionar o sujeito a uma vida completamente infeliz, nunca fazendo aquilo que é bom para si, não procurando formar suas próprias opiniões e sempre dependendo do outro para quase tudo. Sentimentos de ansiedade, baixa autoestima, desimportância, incapacidade, vazio existencial, e culpa geralmente acompanham este modo de funcionar e se relacionar com a vida.
O que falar?
“Eu odeio estudar! Não quelo estudar nunca mais na minha vida! Plefilo ser um vagabundo do que estudar! Dloga!”.
“O que aconteceu, filho? Ah, foi a nota que tirou nesta prova de matemática! Às vezes a gente fica com raiva e chateado por não ter ido bem, não é? Eu também já tirei notas ruins em algumas provas quando era criança e também quando já era adulta na faculdade! Também me senti assim como você está se sentindo agora! É natural que isso aconteça. Mas nós vamos te ajudar a recuperar esta nota! Você é um menino muito inteligente e nós temos orgulho de você!”
Diante da contingência aversiva, a criança foi compreendida e abraçada. Por mais que tenha emitido comportamentos verbais inadequados, é importante que fiquemos muito mais atentos à sua função do que à sua forma. A forma foi usando palavras agressivas acompanhadas por sentimentos de raiva e frustração. Mas a função era de descrever seus sentimentos e evidenciar a insatisfação com seu próprio comportamento, o desempenho na prova de matemática.
Ao compreender a criança, conversar e apontar outras possibilidades, a mãe de Cebolinha demonstraria empatia (falando de sua experiência com notas baixas), apoio incondicional (dizendo que ajudaria, independente de merecimento por desempenho) e expressaria carinho pelo filho (mostrando seu valor a despeito de qualquer resultado acadêmico) – produzindo sentimentos de autoestima no filho.
Quanto à preocupação com o que os outros vão pensar precisa ser trabalhada com um terapeuta comportamental. Assim, fica evidente que trata-se de uma preocupação dos pais e não da criança. Se o filho já demonstra isso, volto à alguns parágrafos atrás: ele não nasceu com isso, aprendeu com papai e mamãe!
[1] Crianças, de modo geral, estão mais orientadas para os reforçadores imediatos e pouco sensíveis às consequências atrasadas. Estudos evolucionistas explicam esta propensão a reforçadores presentes. A possibilidade de aumento da tolerância ao atraso de reforçadores é diretamente proporcional ao aumento da idade do sujeito. Para mais detalhes ver: Daly & Wilson (2005).
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Referências:
Daly, M., & Wilson, M. (2005). Carpe Diem: Adaptation and Devaluing the Future. Quarterly Review of Biology, 80(1), 55-60.
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Como citar este texto:
APA (6th Edition):
Zortea, T. C. (2013, Janeiro 22). O que os vizinhos vão pensar?. [Web log message] Recuperado de: http://comportamentoesociedade.com.
ABNT:
ZORTEA, T. C. O que os vizinhos vão pensar?. Vitória, 2013. Disponível em: <http://comportamentoesociedade.com>. Acesso em: 22 Jan. 2013*.
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