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Uma leitora enviou-nos uma pergunta. Vamos tentar rascunhar uma resposta!
Conheço pessoas que mudam completamente seus comportamentos de acordo com o ambiente, me dando a impressão de que não são autênticas. Por que isso acontece? Como isso é possível?
Comportamento é um conceito. Pode ser definido como um processo de interações entre um organismo e o ambiente onde ele está inserido, o que ocorre durante toda a vida do ser. É um fluxo que nunca pára, e modula-se conforme o contexto. Dentro desta ideia, é perfeitamente cabível a noção de alteração comportamental conforme a mudança de ambiente. Mas como ficaria a questão da “autenticidade” nessa história?
Geralmente diz-se autêntico o sujeito que se comporta de maneira razoavelmente semelhante na maior parte os contextos, ou que mantém suas ideias e formas de expressão de sentimentos num padrão, em certa medida, constante com pequenas variações em diferentes ambientes. Alguém “não autêntico”, portanto seria o indivíduo que emite opiniões, ideias e ações em certas circunstâncias mas contradizendo-se explicitamente em outras, agindo de modo antagônico àquele anterior, como se fossem “pessoas diferentes dentro de um mesmo corpo”.
Nossa variabilidade de comportamentos é infinita e naturalmente “somos muitos em um”. Entretanto, as coisas podem ficar mais sérias quando esta variabilidade começa a trazer prejuízos para a vida do sujeito. Isso ocorre quando os amigos ou as pessoas próximas, por exemplo, começam a se afastar por desconfiarem (perderem a confiança e credibilidade) do sujeito que se contradiz muito facilmente e com frequência, comportando-se de modo imprevisível e deixando inseguras as pessoas que o cercam. Por que agem assim? Para entender um pouco, precisamos analisar e buscar a função desta variação exagerada e prejudicial para o próprio sujeito.
Como todo comportamento é mantido por suas consequências, é importante que fiquemos atentos aos eventos produzidos por essas ações, e tentar buscar (se possível) a história de contingências que selecionaram tal classe de respostas. Algumas possibilidades poderiam ser:
- Auto-estima. Contingências que tenham impedido, durante determinado tempo, o desenvolvimento de um repertório de comportamentos que pudesse produzir sentimentos de autoestima. Em outras palavras, refiro-me a situações que impediram a aprendizagem de modos de agir que produzissem, à partir de interações com outras pessoas, o sentimento de autovalorização, que nasce com o reconhecimento/elogios de outras pessoas para com “a pessoa do sujeito” – não só para com seus comportamentos. Assim, se variações exageradas de comportamento produziram esses sentimentos de aceitação e acolhimento por parte de outras pessoas, é possível que estas consequências tenham selecionado esse modo “não autêntico” de se comportar.
- Regra e esquiva. O sujeito pode também estar sob controle da regra (“crença”) de que se ele emitir suas opiniões sobre determinados temas será punido/rejeitado. Por exemplo: “se eu disser o que penso, as outras pessoas podem me evitar, parar de falar comigo. Então é mais fácil concordar com tudo o que elas dizem”. Esse comportamento tem basicamente uma função de esquiva/evitação de possíveis consequências aversivas (prejudiciais) que poderiam ser produzidas por suas ações. (É possível que esta regra se concretize dependendo do contexto. Falar da inexistência de Deus dentro de um encontro religioso, por exemplo, é um comportamento que possui alta probabilidade de ser punido pelo grupo).
- Limitação de repertório. É possível também que o sujeito não tenha um repertório de comportamentos amplo o suficiente para produzir consequências que possibilitem a emergência de sentimentos de aceitação, alegria. Assim sendo, comportar-se de modo “não autêntico” talvez seja a única forma que ele tenha para produzir essas consequências.
É importante destacar que isto pode ser um “problema” caso traga prejuízos para a vida do sujeito que se comporta de tal maneira. Como afirmado acima, todos nós temos variações comportamentais de acordo com os diferentes contextos. Mas quando esses prejuízos começam a se tornar cada vez mais intensos, é importante que a pessoa que os sofre procure ajuda com um terapeuta comportamental.
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